sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

A Abertura Econômica Cubana

A Abertura Econômica Cubana
Carlos Pio
Versão resumida deste artigo foi publicada no Correio Braziliense em 19/01/2008

Cuba é um país pequeno se analisarmos, por exemplo, suas dimensões geográfica, populacional e econômica. Tem uma área de 111 mil km2 (um pouco maior do que Pernambuco), uma população de 12 milhões de pessoas (inferior à da Bahia) e um PIB de US$ 46 bilhões (4,3% do PIB brasileiro, metade do PIB do Paraná). No entanto, na política internacional Cuba é gigantesca. Desde que o regime inaugurado por Fidel Castro e Che Guevara se alinhou à União Soviética no auge da Guerra Fria, seu modelo tem sido capaz de mobilizar um forte debate entre defensores de ideologias político-econômicas antagônicas: para os socialistas, é um país exemplar por ter se livrado da influência nociva dos Estados Unidos, eliminado a pobreza e instituído sistemas estatais universais de educação e saúde sem paralelo no resto da América Latina; para os liberais Cuba é um país totalitário como todos os países comunistas dadas as severas restrições às liberdades individuais e coletivas – direito à vida, à propriedade privada, à livre informação e expressão do pensamento, a ir e vir, à organização sindical e partidária, à liberdade religiosa. Como conseqüência da falta de liberdades a economia cresce pouco e o bem-estar social se torna mais e mais vulnerável.

Desde que caiu o Muro de Berlim, em novembro de 1989, e que foi extinta a União Soviética, em dezembro de 1991, o modelo socialista cubano perdeu as bases fundamentais de sua legitimidade política e viabilidade econômica. Com o socialismo mundial também morreu uma parte importante do apelo exercido pelos ideais de Fidel e de Che sobre intelectuais e políticos latino-americanos e brasileiros. Hoje, o grupo de seus admiradores é composto por adolescentes tão idealistas quanto ignorantes, que portam bandeiras, camisetas e bottons com a imagem de Che imortalizada pelo fotógrafo Korda sem conhecimento histórico ou analítico suficiente para debater com realismo e em profundidade os prós e contras dos regimes comunistas.

Para atestar o caráter anacrônico e perverso do comunismo cubano parece-me suficiente dizer que não há registro de um fluxo migratório intenso para Cuba. Nem pobres, nem militantes anti-capitalismo ou anti-globalização, nem intelectuais esquerdistas ou exilados políticos latino-americanos procuram abrigo na Ilha caribenha, a despeito das alegadas vantagens sociais proporcionadas pelo regime de Fidel. Em contraste, crescem anualmente tanto os pedidos oficiais de visto para sair de Cuba (desde 1994 são concedidos 20 mil vistos por ano) quanto as tentativas de fuga (desde o início da Revolução saíram de Cuba mais de 900 mil pessoas; só em 2006-7 chegaram ilegalmente aos EUA mais de 77 mil cubanos).

O que essas estatísticas podem nos dizer sobre o destino de Cuba, agora que parece claro que Fidel não mais retornará ao poder? Diante desses números e desse destino, também devemos nos perguntar: (1) que riscos e oportunidades há para empresas brasileiras e (2) que papel deve desempenhar o nosso governo ao longo da transição.

O destino de Cuba será construído pela interação entre: (a) movimentos sociais internos espontâneos, formados em torno de demandas por mudanças políticas, econômicas, sociais e culturais mais profundas e mais rápidas; (b) as principais lideranças do novo governo comandado por Raúl Castro e um grupo de jovens conselheiros pragmáticos e reformistas escolhidos por Fidel e já instalados em posições-chaves no Estado; (c) as organizações anti-castristas estabelecidas nos EUA, que têm se tornado mais moderadas em razão da emergência de novas lideranças já nascida nos Estados Unidos; e (d) o governo (e o Congresso) dos Estados Unidos.

A população cubana deseja ardentemente a liberalização política (democracia-liberal), o aprofundamento da abertura econômica iniciada na década de 1990 e sua expansão para o terreno sócio-cultural. No entanto, faltam-lhe lideranças legítimas, organização e noções claras de como funcionam as democracias, para evitar que a intensificação das manifestações institua o caos social.

É possível imaginar que as novas lideranças políticas do País serão tentadas a buscar controlar de cima esse processo de liberalização. Isso é improvável já que, uma vez iniciada a abertura, a capacidade repressora do governo tenderá a se exaurir rapidamente. Para evitar o pior será fundamental que as novas elites se disponham a cooperar com as principais lideranças e organizações que emergirem espontaneamente entre os cidadãos a fim de criar uma dinâmica legítima e eficaz de reforma institucitucional. O estabelecimento de novas regras e instrumentos de participação política será fundamental para que as demandas sociais sejam direcionadas ao sistema político, evitando o recurso à violência e/ou à corrupção (máfias) como se observou em alguns países que fizeram a dupla transição (do socialismo para o capitalismo e da ditadura para a democracia) nos anos 1990.

O papel a ser desempenhado pelas organizações anti-castristas estabelecidas nos EUA é, por isso, fundamental. Se mantiverem o tom agressivo que caracterizou a ação da primeira leva de imigrantes pós-1959 a cooperação entre líderes sociais e governo será ameaçada. Se tentarem interferir de forma belicosa no processo de reforma institucional – por exemplo, buscando reparações ou a devolução das propriedades nacionalizadas pela Revolução e redistribuídas pelo governo – podem abalar sua legitimidade e eficácia. Mas se optarem por contribuir de forma construtiva, trazendo para o jogo político cubano o aprendizado que hão de ter tido nos EUA sobre o funcionamento de um país capitalista-democrático moderno, podem desempenhar um papel fundamental que não fez parte da experiência recente na Europa do leste.

A moderação do governo e do Congresso dos EUA serão fundamentais para que a transição cubana seja considerada legítima no longo prazo, principalmente pelos indivíduos e grupos cujas principais demandas forem frustradas de início. O restabelecimento de relações políticas e econômicas normais precisa ser acompanhado por ações cooperativas em relação às principais forças políticas que emergirem no novo jogo político cubano. Da mesma forma, as lideranças dos dois partidos norte-americanos podem desempenhar um papel construtivo junto às organizações anti-castristas, levando-as a adotar posições conciliatórias.

Desse intrincado jogo de interesses e forças emergirá uma nova Cuba. Se mais parecida com a República Tcheca e o Chile, casos exitosos de transição, ou com a Moldóvia e a Venezuela, fracassados, só o tempo dirá. Este é um processo definido pela interação humana, mas que não será controlado por ninguém em particular.

Cabe-nos, diante desse quadro, indagar sobre os riscos e oportunidades para as empresas brasileiras e sobre o papel mais aconselhável a ser desempenhado por nosso governo.

Em relação às empresas privadas, cabe uma avaliação realista e suficientemente dinâmica do potencial econômico dessa nova Cuba e do desenrolar dos acontecimentos que irão fundá-la. Quais são os setores mais atraentes, os riscos potenciais e como estão se posicionando os principais concorrentes globais em relação à abertura econômica cubana – eis as principais questões. Cautela e boas fontes de informação são fundamentais, assim como contatos com indivíduos de destaque nos campos político e econômico da Ilha. De todo modo, e como salientado no início, a economia cubana é demasiado pequena para representar uma grande oportunidade de negócios para a maior parte das empresas brasileiras, sejam elas multinacionais ou apenas exportadoras.

Já o governo brasileiro precisa olhar com mais realismo e com menos peias ideológicas para o que está acontecendo e para o que pode vir a ocorrer em Cuba nos próximos meses e anos. A saúde de Fidel não está “impecável”, como disse o presidente Lula em sua recente visita ao País. Cuba não é uma democracia, como ele nos afirmou não muitos meses atrás. Não há alternativas sustentáveis fora do modelo capitalista-democrático, por mais que isso venha a afrontar a visão idealizada dos PTistas e esquerdistas incrustados em todos os escalões do governo brasileiro. E, por mais que isso pareça perverso do ponto de vista humanitário, é preciso avaliar as oportunidades de investimento a serem feitos com recursos públicos brasileiros – por exemplo, pela Petrobrás e pelo BNDES – levando em conta os riscos e as incertezas do processo de transição política e econômica que ocorrerá nos próximos anos.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

A Falta que o Liberalismo Faz

A Falta que o Liberalismo Faz

Carlos Pio
Publicado em Política Democrática – Revista de Política e Cultura
Ano VI, n°
19, novembro de 2007


A palavra liberalismo foi convertida em ofensa no contexto político brasileiro. Liberal é sinônimo de “desumano”, “intransigente”, “arcaico”, “aristocrata”, “entreguista”, “ingênuo”, “desatualizado”, a lista é enorme. Mas ouso dizer três coisas sobre o (mau) uso desta palavra no Brasil: (i) está errado; (ii) nos prejudica; e (iii) nos faz falta. Vejamos.

O liberalismo é um conceito usado para definir uma doutrina tanto política como econômica. Na política, liberal é todo aquele que acredita no imperativo da liberdade individual como espinha dorsal das relações estado-sociedade. Neste sentido, no cerne do liberalismo encontram-se a democracia representativa e o governo republicano (aquele que presta contas à sociedade, está submetido à disputa eleitoral e trata todos os cidadãos sem distinção perante a lei).

Neste sentido estrito, anti-liberais são anti-democratas e/ou anti-republicanos, ou seja, aqueles que acreditam em alguma forma de organização da política que despreza os direitos civis e políticos fundamentais – à vida, independentemente de suas concepções políticas; a votar e ser votado, em eleições justas e competitivas; a ser tratado sem distinção pelas leis do país; à pluralidade de fontes de informação. Após o surgimento ou a adoção do liberalismo político, aristocratas/monarquistas, socialistas/comunistas, fascistas, caudilhos, e os defensores de todos os modelos autoritários de organização política foram desafiados a ajustar suas crenças ao novo padrão de relação estado-sociedade surgido na Inglaterra do século 17. Não há dúvidas de que, desde esses tempos, a história da humanidade atesta a superioridade ética, moral, social, cultural e econômica do liberalismo político.

No terreno da economia, liberalismo também significa a prevalência dos direitos individuais sobre qualquer forma de usurpação pelo Estado ou por outros indivíduos. A essência do argumento liberal é libertária: todo indivíduo é proprietário de sua vida – seu corpo, sua energia, sua força, sua inteligência e criatividade. Pode fazer dela o que bem entender. Mas o direito de cada um termina onde começam os direitos dos demais. Tudo é possível, desde que tudo seja possível para todos. A igualdade perante a lei – que vem da doutrina política liberal – encontra, na economia, uma aplicação fundamental: a defesa intransigente da propriedade privada, quer sobre bens materiais (terra, dinheiro) quer sobre bens imateriais (vida, trabalho, criatividade). Ninguém pode se apropriar do trabalho de outro sem o seu consentimento. Daí as relações contratuais (salários) substituírem relações de lealdade (servidão) e a escravidão.

Aliada à defesa da liberdade individual na forma de propriedade (material e imaterial), o liberalismo econômico traz, em sua essência, o princípio da igualdade de oportunidades, promovido no plano individual e coletivo. Neste último, o estado teria o papel essencial de prover uma redistribuição das riquezas dos indivíduos mais afortunados para prover melhores condições aos menos pobres, na forma de bens coletivos capazes de alavancar suas chances de gerar mais riqueza no futuro – educação e saúde sendo os mais importantes. No entanto, a fim de desrespeitar o mínimo possível o princípio da liberdade/propriedade individual, as funções do estado para promover a igualdade de oportunidades deveria ser realmente limitada, afinal seu financiamento depende de impostos, uma usurpação da propriedade privada.

A história da humanidade também demonstra a superioridade deste sistema sobre todos os demais que foram pensados para suplantá-lo, razão pela qual marxistas/comunistas, nacionalistas, mercantilistas e os defensores de concepções alternativas de ordem econômica tiveram que se curvar ao capitalismo.

Assim, em sua essência, liberalismo político e econômico são complementares – a despeito da existência de tensões inerentes ao pleno exercício das liberdades econômicas e políticas, como já salientado. Além disso, são responsáveis pela consistente melhoria das condições (materiais e imateriais) de vida em todo o globo.

Por que o uso inapropriado no Brasil do termo “liberalismo” – como sinônimo de “arcaico”, “desumano” – haveria de nos prejudicar e fazer falta? Primeiro, porque obscurece o terreno da disputa política entre os que são favoráveis à adoção e/ou consolidação dos direitos individuais contra as usurpações feitas pelo estado e/ou grupos sociais. Afinal, se não assumirmos nossa essência liberal, quem vai defender as rendas dos cidadãos contra a volição gastadora dos políticos? A contenção da fúria arrecadatória dos governantes (impostos altos), da tendência ao endividamento crescente do estado (que implica em mais impostos no futuro e juros altos no presente), do recurso ao financiamento inflacionário dos gastos públicos (que impõe a perda de valor da poupança privada) e mesmo da corrupção requer a existência de uma sólida armadura liberal na sociedade e nos partidos. Da mesma forma, sem os liberais, quem vai se interpor à ação de grupos de invasores de terras públicas e privadas? Quem vai defender políticas econômicas, sociais e de desenvolvimento que focalizem prioritariamente a oferta de bens coletivos que aumentem, diretamente, as chances de progresso próprio dos mais pobres? ou seja, quem vai privilegiar políticas em prol da igualdade de oportunidade (educação básica saúde pública de qualidade, programas de transferência de renda para os pobres em troca de qualificação) em detrimento de políticas que transferem rendas para os mais ricos (industriais, tecnológicas, comerciais)?

O debate público brasileiro é marcado pela prevalência de um moderado consenso liberal no plano político, em que são poucos os que expressam claramente suas tendências autoritárias (hoje quase exclusivamente concentradas nos partidos de esquerda) e pelo confronto entre diferentes tendências anti-liberais (de esquerda, de centro-esquerda e de direita) no terreno econômico. No primeiro caso, falta uma corrente política intransigentemente democrática e republicana que só o liberalismo oferece de forma consistente. No segundo, falta um projeto de desenvolvimento capitalista moderno que leve em conta as necessidades de viabilizar investimentos públicos para a ampliação e a melhoria da qualidade dos programas de igualdade de oportunida. Sem eles, seremos sempre atrasados, arcaicos, desumanos... mas nunca liberais!

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

A notícia abaixo dá ciência dos planos mirabolantes do atual presidente do Ipea.

A mesma coisa foi patrocinada, no início do governo Lula, pelo então presidente do BNDES, Carlos Lessa.

A idéia é péssima por várias razões. Primeiro, o conteúdo de um programa como o proposto em nada difere do que já é ministrado na Unicamp, na UFRJ e na UFF, para citar apenas três programas que funcionam com verbas públicas. Segundo, o novo curso empregará os colegas e amigos do secretário, além dos ex-alunos deles, o que é, no mínimo, antiético. Terceiro, as idéias defendidas por esses economistas são atrasadas e não encontram respaldo acadêmico nem empírico em qualquer lugar do mundo -- desenvolvido ou em desenvolvimento -- que tenha prosperado nos últimos 30 anos.

Carlos Pio

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OESP

Sexta-Feira, 30 de Novembro de 2007

Ipea quer desenvolvimentismo em curso de pós-graduação

Márcio Pochmann reuniu economistas críticos das atuais políticas monetária e fiscal em seminário em Brasília

Sérgio Gobetti, BRASÍLIA

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As mudanças na cúpula do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) estão empolgando uma velha geração de economistas desenvolvimentistas, que já sonha em retomar a hegemonia que possuía nas universidades até a década de 80. Como parte dessa estratégia, o presidente do Ipea, Márcio Pochmann, realizou ontem um seminário em Brasília com professores de Economia e anunciou o plano de organizar um curso de pós-graduação da própria instituição, reunindo os principais expoentes do pensamento desenvolvimentista do Brasil.

"Estamos há duas décadas contaminados pela lógica do curto prazo, sem que o tema do desenvolvimento esteja na pauta", disse Pochmann. Segundo ele, os problemas que o governo está enfrentando na implementação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) refletem a falta de profissionais "com visão de longo prazo". Atualmente, os cursos de mestrado e doutorado em Economia, com exceção da Unicamp e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), são dominados por intelectuais ortodoxos - ou neoliberais, na linguagem que acabou popularizada.

Pochmann disse que está discutindo a idéia de um novo centro de pós-graduação com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), instituição do governo federal que financia bolsas de pesquisa no País e no exterior. O objetivo é criar um centro de formação de pensadores desenvolvimentistas ao estilo do que foi no passado a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). "Há um campo novo na economia que começa a despontar", comemorou o presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), Synésio Batista da Costa.

No seminário de ontem, professores e economistas das áreas de Teoria de Desenvolvimento e História do Pensamento Econômico conheceram a experiência de ensino da UFRJ, que possui um forte núcleo de economistas heterodoxos ou desenvolvimentistas. A expressão "heterodoxo" serve para denominar economistas críticos das atuais políticas monetária e fiscal e defensores de uma intervenção mais firme do governo na determinação da taxa de câmbio e da taxa de juros.

"Temos de mudar o programa da Associação Nacional de Pós-Graduação (Anpec). O pensamento único é deles", disse o professor Franklin Serrano, referindo-se aos economistas ortodoxos. O representante da Cepal no Brasil, Ricardo Bielschowsky, admitiu que a instituição sofreu mudanças na década de 90, na onda do pensamento neoliberal, mas disse que hoje há uma busca de síntese entre o velho pensamento desenvolvimentista e o novo cenário internacional de inovações e abertura comercial. Essa ala "novo desenvolvimentista", da qual faz parte o ex-ministro tucano Bresser Pereira, também questiona a atual política monetária e cambial, mas é favorável a uma rígida disciplina fiscal.

sábado, 17 de novembro de 2007

Por que Chávez será problema para o Mercosul?

Correio Braziliense

14/11/2007

Por que Chávez será problema para o Mercosul?/Opinião
Carlos Pio, Professor de Economia Política Internacional da UnB

Depois da aprovação na Câmara dos Deputados, será a vez de o Senado Federal analisar o protocolo de adesão da Venezuela ao Mercosul. Apesar da retórica parlamentar e governamental que aponta aquele país como aliado estratégico do Brasil, argumentarei neste artigo que o melhor a fazer é dizer um sonoro "não" às pretensões de Chávez e Lula de transformarem o Mercosul numa arena política da qual proliferaria a retórica terceiro-mundista. Há excelentes razões de cunho econômico e político para justificar essa posição. Passemos a elas.

Primeiro, as econômicas. A liberalização do comércio é o princípio fundamental do regime multilateral construído no pós-guerra, que hoje se consolida pela ação dos países membros da OMC. Sendo assim, a formação de um bloco regional só é aceitável se promover a criação de comércio, ou seja, se os membros passarem a importar parte do que até então produziam internamente. Ou seja, a adesão a um bloco regional precisa significar queda das barreiras comerciais que o país impõe às exportações do resto do mundo — ou de parte dele. Integração regional, nesse sentido, seria um passo em direção ao livre comércio, ao capitalismo global. O Mercosul, apesar das mazelas, foi e continua sendo um compromisso nessa direção.

Ocorre que a Venezuela se autodeclara socialista, ou seja, defensora de modelo econômico no qual impera a vontade política dos governantes sobre a liberdade econômica dos cidadãos e empresas. Esse modelo não se ajusta ao estabelecido como princípio constitutivo do Mercosul, e a entrada da Venezuela no bloco representará séria ameaça à validade das garantias legais que amparam os contratos firmados entre empresas e cidadãos dos diferentes países. Na medida em que as regras do Mercosul ou a dinâmica dos fluxos comerciais intrabloco sejam alteradas depois da entrada da Venezuela, crescerão também as chances de sermos contestados, investigados e julgados formalmente na OMC pelo desrespeito às regras multilaterais.

Agora passemos às questões políticas. No sítio oficial do Mercosul (www.mercosul.org.uy), está dito que "os quatro Estados partes (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) compartilham uma comunhão de valores que encontra expressão nas sociedades democráticas, pluralistas, defensoras das liberdades fundamentais, dos direitos humanos, da proteção do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável, incluindo o compromisso com a consolidação da democracia, a segurança jurídica, o combate à pobreza e o desenvolvimento econômico e social com eqüidade".

Se essa comunhão realmente existe, só mesmo com uma definição muito frouxa de democracia será possível aceitar a adesão venezuelana ao Mercosul. Afinal, nos últimos anos, Chávez tem: 1. restringido liberdades civis e políticas essenciais à democracia, entre as quais os direitos à vida, propriedade, participação e organização política, e pluralidade de fontes de informação; 2. alterado a Constituição para aumentar o tempo de mandato e eliminar restrições à reeleição; 3. criado, financiado, armado e mobilizado grupos de famintos militantes de sua "doutrina" bolivariana para confrontar a desorganizada oposição nas ruas das principais cidades; 4. interferido sobre o currículo escolar para que ele passe a professar sua ideologia autoritária; e 5. buscado alianças com líderes autoritários ou populistas de países que confrontam abertamente os princípios democráticos, como Cuba, Irã, Líbia, Rússia e Iraque (nos tempos de Saddam).

No contexto regional, Chávez fez questão de apoiar explicitamente candidatos identificados com suas idéias, suas políticas ou seu estilo de liderança, como nos casos de Evo Morales (Bolívia), Rafael Correa (Equador), Daniel Ortega (Nicarágua) — todos recentemente eleitos presidentes de seus países — e A. Manuel López-Obrador (México), candidato presidencial derrotado que contestou os resultados eleitorais em 2006. Isso para não falar no apoio dado por Chávez à campanha reeleitoral do presidente Lula. Além disso, financia a criação de grupos bolivarianos em vários países e também distribui favores às populações carentes em alguns países, inclusive no Brasil. Por fim, é importante lembrar as agressões verbais feitas pelo ditador venezuelano às Organizações Globo e ao Senado Federal, quando criticaram algumas de suas políticas ou declarações.

Diante de tudo isso, parece-me fundamental que o Senado dê um basta às pretensões imperialistas de Chávez e proclame de uma vez por todas que ele não é aliado estratégico do Brasil.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Subsídios Agrícolas

A questão dos subsídios agrícolas tem motivado muita gente a pensar -- erroneamente -- que a proteção comercial pode ser uma política estratégica a favor do crescimento rápido da economia. Afinal, se os ricos, que são ricos, protegem suas economias, quem somos nós para abrir a nossa?

Os dados sobre subsídios na agricultura entre membros da OCDE divulgados esta semana pelo Economist mostram que alguns países só têm agricultura porque seus governos pagam praticamente todos os custos de produção. É o caso da Islândia, da Noruega, da Suíça e da Coréia do Sul, países nos quais mais de 60% das receitas dos fazendeiros é na verdade transferência de renda pelo governo.

Interessante notar que, entre 1988 e 2006, os subsídios caíram em todos os países analisados, à exceção da Turquia. É também relevante indicar que tais subsídios são relativamente baixos nos EUA quando comparado com UE e Japão.

Por que tanta proteção justamente nos setores em que os países pobres e os em desenvolvimento são relativamente mais produtivos? Será que os governos dos países industrializados querem nos manter em eterno estado de dependência e endividamento?

O argumento é simples: (i) o subsídio agrícola no Norte é tão nocivo para o crescimento da renda dos países protecionistas quanto o subsídio à indústria manufatureira nos países do Sul -- perdem as famílias e empresas consumidoras potenciais de importados; e, (ii) a explicação para a opção pela proteção (vis-à-vis o livre comércio) é a mesma para países ricos ou não-ricos -- resulta da pressão política e de visões ideológicas anti-liberais que nada têm a ver com maquinações para abortar o crescimento do terceiro mundo.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Por que os países comercializam?

Intuitiva ou ideologicamente, quase todo mundo responde de maneira equivocada à questão proposta. Bastaria olhar de forma realista o que fazemos no cotidiano para saber que o comércio é atraente porque nos oferece a possibilidade de adquirir algo que nos custaria muito mais se produzíssemos diretamente.

No entanto, ao falar do país, incorremos numa falácia de composição: pensamos como se fôssemos membros de uma coletividade maior do que a soma de suas partes -- mais do que um mero resíduo, um agregado de indivíduos com interesses particulares e nem sempre compatíveis.

"O que interessa ao Brasil?", perguntamos. Lamento informar, mas o "Brasil" desta questão não existe: não existe uma estratégia comum que beneficie todos os brasileiros no curto prazo e nem na mesma proporção.

O resultado é que atribuímos ao país (interesse nacional) algo que só tem chances de ser realizado se o(s) interesse(s) de algum(ns) grupo(s) for(em) desconsiderado(s). Pior: que só pode ser realizado se restringirmos a liberdade dos perdedores para escapar à punição!!

A resposta certa é simples: não sendo nada além de um agregado de cidadãos, os países comercializam pela mesma razão que esses cidadãos comercializam -- para obter em troca aquilo que lhes custaria muito mais produzir diretamente.

Russell Roberts, economista da George Mason University, expõe de maneira simples e direta o argumento em prol do livre comércio no artigo Why We Trade, publicado recentemente na Foreign Policy.