sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

A Abertura Econômica Cubana

A Abertura Econômica Cubana
Carlos Pio
Versão resumida deste artigo foi publicada no Correio Braziliense em 19/01/2008

Cuba é um país pequeno se analisarmos, por exemplo, suas dimensões geográfica, populacional e econômica. Tem uma área de 111 mil km2 (um pouco maior do que Pernambuco), uma população de 12 milhões de pessoas (inferior à da Bahia) e um PIB de US$ 46 bilhões (4,3% do PIB brasileiro, metade do PIB do Paraná). No entanto, na política internacional Cuba é gigantesca. Desde que o regime inaugurado por Fidel Castro e Che Guevara se alinhou à União Soviética no auge da Guerra Fria, seu modelo tem sido capaz de mobilizar um forte debate entre defensores de ideologias político-econômicas antagônicas: para os socialistas, é um país exemplar por ter se livrado da influência nociva dos Estados Unidos, eliminado a pobreza e instituído sistemas estatais universais de educação e saúde sem paralelo no resto da América Latina; para os liberais Cuba é um país totalitário como todos os países comunistas dadas as severas restrições às liberdades individuais e coletivas – direito à vida, à propriedade privada, à livre informação e expressão do pensamento, a ir e vir, à organização sindical e partidária, à liberdade religiosa. Como conseqüência da falta de liberdades a economia cresce pouco e o bem-estar social se torna mais e mais vulnerável.

Desde que caiu o Muro de Berlim, em novembro de 1989, e que foi extinta a União Soviética, em dezembro de 1991, o modelo socialista cubano perdeu as bases fundamentais de sua legitimidade política e viabilidade econômica. Com o socialismo mundial também morreu uma parte importante do apelo exercido pelos ideais de Fidel e de Che sobre intelectuais e políticos latino-americanos e brasileiros. Hoje, o grupo de seus admiradores é composto por adolescentes tão idealistas quanto ignorantes, que portam bandeiras, camisetas e bottons com a imagem de Che imortalizada pelo fotógrafo Korda sem conhecimento histórico ou analítico suficiente para debater com realismo e em profundidade os prós e contras dos regimes comunistas.

Para atestar o caráter anacrônico e perverso do comunismo cubano parece-me suficiente dizer que não há registro de um fluxo migratório intenso para Cuba. Nem pobres, nem militantes anti-capitalismo ou anti-globalização, nem intelectuais esquerdistas ou exilados políticos latino-americanos procuram abrigo na Ilha caribenha, a despeito das alegadas vantagens sociais proporcionadas pelo regime de Fidel. Em contraste, crescem anualmente tanto os pedidos oficiais de visto para sair de Cuba (desde 1994 são concedidos 20 mil vistos por ano) quanto as tentativas de fuga (desde o início da Revolução saíram de Cuba mais de 900 mil pessoas; só em 2006-7 chegaram ilegalmente aos EUA mais de 77 mil cubanos).

O que essas estatísticas podem nos dizer sobre o destino de Cuba, agora que parece claro que Fidel não mais retornará ao poder? Diante desses números e desse destino, também devemos nos perguntar: (1) que riscos e oportunidades há para empresas brasileiras e (2) que papel deve desempenhar o nosso governo ao longo da transição.

O destino de Cuba será construído pela interação entre: (a) movimentos sociais internos espontâneos, formados em torno de demandas por mudanças políticas, econômicas, sociais e culturais mais profundas e mais rápidas; (b) as principais lideranças do novo governo comandado por Raúl Castro e um grupo de jovens conselheiros pragmáticos e reformistas escolhidos por Fidel e já instalados em posições-chaves no Estado; (c) as organizações anti-castristas estabelecidas nos EUA, que têm se tornado mais moderadas em razão da emergência de novas lideranças já nascida nos Estados Unidos; e (d) o governo (e o Congresso) dos Estados Unidos.

A população cubana deseja ardentemente a liberalização política (democracia-liberal), o aprofundamento da abertura econômica iniciada na década de 1990 e sua expansão para o terreno sócio-cultural. No entanto, faltam-lhe lideranças legítimas, organização e noções claras de como funcionam as democracias, para evitar que a intensificação das manifestações institua o caos social.

É possível imaginar que as novas lideranças políticas do País serão tentadas a buscar controlar de cima esse processo de liberalização. Isso é improvável já que, uma vez iniciada a abertura, a capacidade repressora do governo tenderá a se exaurir rapidamente. Para evitar o pior será fundamental que as novas elites se disponham a cooperar com as principais lideranças e organizações que emergirem espontaneamente entre os cidadãos a fim de criar uma dinâmica legítima e eficaz de reforma institucitucional. O estabelecimento de novas regras e instrumentos de participação política será fundamental para que as demandas sociais sejam direcionadas ao sistema político, evitando o recurso à violência e/ou à corrupção (máfias) como se observou em alguns países que fizeram a dupla transição (do socialismo para o capitalismo e da ditadura para a democracia) nos anos 1990.

O papel a ser desempenhado pelas organizações anti-castristas estabelecidas nos EUA é, por isso, fundamental. Se mantiverem o tom agressivo que caracterizou a ação da primeira leva de imigrantes pós-1959 a cooperação entre líderes sociais e governo será ameaçada. Se tentarem interferir de forma belicosa no processo de reforma institucional – por exemplo, buscando reparações ou a devolução das propriedades nacionalizadas pela Revolução e redistribuídas pelo governo – podem abalar sua legitimidade e eficácia. Mas se optarem por contribuir de forma construtiva, trazendo para o jogo político cubano o aprendizado que hão de ter tido nos EUA sobre o funcionamento de um país capitalista-democrático moderno, podem desempenhar um papel fundamental que não fez parte da experiência recente na Europa do leste.

A moderação do governo e do Congresso dos EUA serão fundamentais para que a transição cubana seja considerada legítima no longo prazo, principalmente pelos indivíduos e grupos cujas principais demandas forem frustradas de início. O restabelecimento de relações políticas e econômicas normais precisa ser acompanhado por ações cooperativas em relação às principais forças políticas que emergirem no novo jogo político cubano. Da mesma forma, as lideranças dos dois partidos norte-americanos podem desempenhar um papel construtivo junto às organizações anti-castristas, levando-as a adotar posições conciliatórias.

Desse intrincado jogo de interesses e forças emergirá uma nova Cuba. Se mais parecida com a República Tcheca e o Chile, casos exitosos de transição, ou com a Moldóvia e a Venezuela, fracassados, só o tempo dirá. Este é um processo definido pela interação humana, mas que não será controlado por ninguém em particular.

Cabe-nos, diante desse quadro, indagar sobre os riscos e oportunidades para as empresas brasileiras e sobre o papel mais aconselhável a ser desempenhado por nosso governo.

Em relação às empresas privadas, cabe uma avaliação realista e suficientemente dinâmica do potencial econômico dessa nova Cuba e do desenrolar dos acontecimentos que irão fundá-la. Quais são os setores mais atraentes, os riscos potenciais e como estão se posicionando os principais concorrentes globais em relação à abertura econômica cubana – eis as principais questões. Cautela e boas fontes de informação são fundamentais, assim como contatos com indivíduos de destaque nos campos político e econômico da Ilha. De todo modo, e como salientado no início, a economia cubana é demasiado pequena para representar uma grande oportunidade de negócios para a maior parte das empresas brasileiras, sejam elas multinacionais ou apenas exportadoras.

Já o governo brasileiro precisa olhar com mais realismo e com menos peias ideológicas para o que está acontecendo e para o que pode vir a ocorrer em Cuba nos próximos meses e anos. A saúde de Fidel não está “impecável”, como disse o presidente Lula em sua recente visita ao País. Cuba não é uma democracia, como ele nos afirmou não muitos meses atrás. Não há alternativas sustentáveis fora do modelo capitalista-democrático, por mais que isso venha a afrontar a visão idealizada dos PTistas e esquerdistas incrustados em todos os escalões do governo brasileiro. E, por mais que isso pareça perverso do ponto de vista humanitário, é preciso avaliar as oportunidades de investimento a serem feitos com recursos públicos brasileiros – por exemplo, pela Petrobrás e pelo BNDES – levando em conta os riscos e as incertezas do processo de transição política e econômica que ocorrerá nos próximos anos.

Nenhum comentário: