sábado, 17 de novembro de 2007

Por que Chávez será problema para o Mercosul?

Correio Braziliense

14/11/2007

Por que Chávez será problema para o Mercosul?/Opinião
Carlos Pio, Professor de Economia Política Internacional da UnB

Depois da aprovação na Câmara dos Deputados, será a vez de o Senado Federal analisar o protocolo de adesão da Venezuela ao Mercosul. Apesar da retórica parlamentar e governamental que aponta aquele país como aliado estratégico do Brasil, argumentarei neste artigo que o melhor a fazer é dizer um sonoro "não" às pretensões de Chávez e Lula de transformarem o Mercosul numa arena política da qual proliferaria a retórica terceiro-mundista. Há excelentes razões de cunho econômico e político para justificar essa posição. Passemos a elas.

Primeiro, as econômicas. A liberalização do comércio é o princípio fundamental do regime multilateral construído no pós-guerra, que hoje se consolida pela ação dos países membros da OMC. Sendo assim, a formação de um bloco regional só é aceitável se promover a criação de comércio, ou seja, se os membros passarem a importar parte do que até então produziam internamente. Ou seja, a adesão a um bloco regional precisa significar queda das barreiras comerciais que o país impõe às exportações do resto do mundo — ou de parte dele. Integração regional, nesse sentido, seria um passo em direção ao livre comércio, ao capitalismo global. O Mercosul, apesar das mazelas, foi e continua sendo um compromisso nessa direção.

Ocorre que a Venezuela se autodeclara socialista, ou seja, defensora de modelo econômico no qual impera a vontade política dos governantes sobre a liberdade econômica dos cidadãos e empresas. Esse modelo não se ajusta ao estabelecido como princípio constitutivo do Mercosul, e a entrada da Venezuela no bloco representará séria ameaça à validade das garantias legais que amparam os contratos firmados entre empresas e cidadãos dos diferentes países. Na medida em que as regras do Mercosul ou a dinâmica dos fluxos comerciais intrabloco sejam alteradas depois da entrada da Venezuela, crescerão também as chances de sermos contestados, investigados e julgados formalmente na OMC pelo desrespeito às regras multilaterais.

Agora passemos às questões políticas. No sítio oficial do Mercosul (www.mercosul.org.uy), está dito que "os quatro Estados partes (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) compartilham uma comunhão de valores que encontra expressão nas sociedades democráticas, pluralistas, defensoras das liberdades fundamentais, dos direitos humanos, da proteção do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável, incluindo o compromisso com a consolidação da democracia, a segurança jurídica, o combate à pobreza e o desenvolvimento econômico e social com eqüidade".

Se essa comunhão realmente existe, só mesmo com uma definição muito frouxa de democracia será possível aceitar a adesão venezuelana ao Mercosul. Afinal, nos últimos anos, Chávez tem: 1. restringido liberdades civis e políticas essenciais à democracia, entre as quais os direitos à vida, propriedade, participação e organização política, e pluralidade de fontes de informação; 2. alterado a Constituição para aumentar o tempo de mandato e eliminar restrições à reeleição; 3. criado, financiado, armado e mobilizado grupos de famintos militantes de sua "doutrina" bolivariana para confrontar a desorganizada oposição nas ruas das principais cidades; 4. interferido sobre o currículo escolar para que ele passe a professar sua ideologia autoritária; e 5. buscado alianças com líderes autoritários ou populistas de países que confrontam abertamente os princípios democráticos, como Cuba, Irã, Líbia, Rússia e Iraque (nos tempos de Saddam).

No contexto regional, Chávez fez questão de apoiar explicitamente candidatos identificados com suas idéias, suas políticas ou seu estilo de liderança, como nos casos de Evo Morales (Bolívia), Rafael Correa (Equador), Daniel Ortega (Nicarágua) — todos recentemente eleitos presidentes de seus países — e A. Manuel López-Obrador (México), candidato presidencial derrotado que contestou os resultados eleitorais em 2006. Isso para não falar no apoio dado por Chávez à campanha reeleitoral do presidente Lula. Além disso, financia a criação de grupos bolivarianos em vários países e também distribui favores às populações carentes em alguns países, inclusive no Brasil. Por fim, é importante lembrar as agressões verbais feitas pelo ditador venezuelano às Organizações Globo e ao Senado Federal, quando criticaram algumas de suas políticas ou declarações.

Diante de tudo isso, parece-me fundamental que o Senado dê um basta às pretensões imperialistas de Chávez e proclame de uma vez por todas que ele não é aliado estratégico do Brasil.

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